
Quando John Mackey, cofundador do Whole Foods, escreveu Capitalismo Consciente, ele desafiou a visão clássica da missão do administrador de maximizar o valor do acionista. Essa perspectiva, defendida por Milton Friedman, parte da ideia de que o empreendedor, ainda que movido por puro egoísmo, gera um bem maior para a sociedade por meio da criação de empregos, do pagamento de impostos e do aumento da prosperidade geral. Contudo, essa visão reduz o papel do administrador à função de maximizar retornos financeiros para apenas um dos interessados: o acionista. As críticas a esse modelo concentram-se, sobretudo, na lógica do “lucro pelo lucro”, desprovida de propósito maior.
O Capitalismo Consciente, por sua vez, propõe uma reformulação: o chamado capitalismo das partes interessadas (stakeholders). Nessa ótica, além de gerar valor ao acionista, cabe ao administrador atender também às demandas de clientes, fornecedores, funcionários, sociedade e meio ambiente — categorias hoje institucionalizadas pela agenda ESG. Ainda assim, tanto a visão Clássica quanto a do Capitalismo Consciente mantêm o objeto da missão fora do administrador, deslocando o centro de gravidade para expectativas externas.
O Capitalismo em Ordem rompe com esse paradigma. Ele propõe que o primeiro compromisso do administrador seja com sua própria realização interior. Antes de organizar a empresa, o mercado ou a sociedade, o administrador precisa organizar a si mesmo e alcançar sua ordem interna. Em outras palavras, o homem é recolocado no centro como fundamento da prosperidade.
Essa ideia de ter o indivíduo como fundamento encontra ressonância na encíclica Laborem Exercens, em que João Paulo II distingue o trabalho objetivo (resultados externos: produção, serviços, salário) do trabalho subjetivo, que diz respeito à transformação interior do trabalhador. É nesse campo subjetivo que se realiza a vocação humana: “comerás com o suor do teu rosto” não é apenas condenação, mas caminho de plenitude. O verdadeiro sentido do trabalho está na elevação interior, na dignidade e na grandeza pessoal que ele pode produzir. Para o administrador, isso significa que seu principal capital é ele mesmo em estado de ordem.
Eric Voegelin, o filósofo que embasa a Teoria da Ordem, acrescenta outro ponto: a desordem da modernidade nasce da ruptura da consciência com a transcendência. Quando o homem se fecha ao divino, perde a orientação do logos que sustenta a ordem do ser. A missão humana é permanecer na tensão viva entre o finito e o eterno (metaxy), mantendo-se aberto à revelação do sentido. Para o administrador, isso implica resistir a sistemas ideológicos que reduzem sua missão a finalidades técnicas ou econômicas e permanecer fiel à realidade vivida de sua vocação espiritual.
Assim, o Capitalismo em Ordem estrutura-se em quatro níveis, irradiados a partir da ordem interior do administrador:
Ordem Interna O administrador se realiza subjetivamente no trabalho. Ele ama a si mesmo — conforme o ensinamento de Cristo: “Ame o próximo como a si mesmo”. A régua do amor ao outro é o amor próprio; é daí que nasce a capacidade de inspirar, transformar e gerar valor.
Ordem Organizacional Com o eu interior organizado, o administrador pode estruturar relações humanas e funcionais equilibradas entre departamentos, promovendo uma cultura de confiança, bem-estar e sentido de propósito coletivo.
Ordem com os Mercados A organização passa a oferecer o produto certo, no preço certo, no canal certo, com uma proposta de valor clara e ética para consumidores e acionistas — sem trair princípios.
Ordem com a Sociedade e o Planeta Por fim, a empresa assume sua vocação pública e ecológica: respeito ao meio ambiente, promoção da justiça social, contribuição para a civilização.
Diferente das abordagens que veem a missão empresarial apenas como resposta a pressões externas, o Capitalismo em Ordem resgata o protagonismo interior do administrador. Em coerência com João Paulo II e Voegelin, reconhece-se que somente um homem em ordem pode gerar uma harmonia verdadeira: nas empresas, nos mercados e na sociedade, construindo assim um ambiente em que a prosperidade não é apenas possível, mas inevitável.