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A Teoria e o Unicórnio


O sonho de todo empreendedor é levar sua empresa para a curva exponencial. A realidade, no entanto, é que 99% delas nunca surfaram essa onda. Por isso o unicórnio continua sendo uma figura quase mitológica.
A maioria das empresas se parece mais com um iniciante na primeira aula de surf: muitos “false starts”, aquela sensação de que agora vai — mas não vai. Depois de horas tentando, vem o cansaço, o frio, a fome e o desânimo. No dia seguinte, recomeça tudo. Com persistência, talvez consiga ficar de pé na prancha. Com o tempo, até se torna um bom surfista.
Mas o mundo dos negócios não funciona exatamente assim. Persistir não garante surfar a onda. Não existe manual. É muito mais arte do que ciência. Fazer tudo certo não garante o sucesso. Porque o sucesso depende de algo que está fora do nosso controle: a preferência dos consumidores e a ação dos concorrentes.
A Blackberry é um exemplo clássico. Fez tudo certo com seu celular revolucionário. Mas Steve Jobs fez mais: lançou o iPhone em 2007 e enterrou a concorrente.
Para subir a curva exponencial, uma empresa precisa estar em ordem com o mercado. Isso significa estar no lugar certo, na hora certa, com o produto certo, no preço certo — tudo isso enquanto ocupa o desejo dos consumidores e encontra seus concorrentes adormecidos.
Wall Street chama de “momentum” a fase em que uma ação sobe com qualquer notícia — boa ou ruim. É o que chamamos aqui de “Momento Mágico”: quando tudo o que a empresa faz parece dar certo.
Parte disso é virtude: talento, trabalho, visão estratégica. Parte é fortuna: sorte, destino, sincronia com o momento histórico. E como não dominamos o destino, resta-nos cultivar as virtudes — e trabalhar para entrar em ordem com o mercado.
Jim Collins, um dos grandes teóricos da administração, escreveu em Feitas para Vencer que as empresas que fazem o certo dão certo. Collins tem insights poderosos e sabe contar boas histórias. Mas a história da Blackberry me fez desconfiar dessa fórmula.
Foi a partir dessas inquietações que desenvolvi a Teoria da Ordem. No terceiro nível da teoria — a ordem com o mercado — é preciso considerar não só os acertos internos da empresa (um bom produto, preço justo, canal adequado, estrutura de capital eficiente, time competente e cultura vencedora), mas também as variáveis externas: a preferência dos consumidores e a movimentação dos concorrentes.
Fazer tudo isso, ao mesmo tempo, é um desafio imenso. Requer sensibilidade, coragem, leitura de cenário e capacidade de síntese. Requer mais arte do que ciência.

Admiro os livros de Jim Collins. Já incorporei muitos de seus insights nas empresas das quais participo. Ainda assim, suas obras não explicam completamente por que algumas companhias prosperam enquanto outras fracassam.
Sem recorrer à crítica ad hominem — que ataca a pessoa e não suas ideias — vale lembrar que Collins foi um aluno brilhante em Stanford, onde também concluiu seu MBA. Passou por consultorias como a McKinsey antes de se dedicar à pesquisa acadêmica. Mas nunca fundou nem liderou uma empresa. Seus insights vêm do olhar do pesquisador, não da experiência prática.
E operar uma empresa é bem diferente de apenas observá-la. Você pode ler todos os manuais sobre tênis, saber de cor as regras, conhecer as táticas. Isso não o torna um bom jogador. Para jogar bem, é preciso ir à quadra. Errar, corrigir, repetir. É prática, suor e resiliência.
A teoria, sozinha, pode levar a uma visão ingênua do que chamo de “caminho das flores”: a crença de que, fazendo as escolhas certas, tudo dará certo. Mas o caminho real é muito mais parecido com o das pedras — tropeços, desvios, decisões erradas. Uri Levine, fundador do Waze, reforça essa visão prática em seu livro Apaixone-se pelo Problema, Não pela Solução. O empreendedorismo, como ele mostra, é feito de imprevistos que só podem ser resolvidos na arena real — com os pés na lama.
Você pode ver isso na série Mad Unicorn, da Netflix. Conta a história de uma startup tailandesa criada por um jovem pobre. Nada dá certo — é quase uma saga de fracassos — até que, no fim, algo se encaixa.
O mesmo aparece no clássico O Lado Difícil das Situações Difíceis, de Ben Horowitz, que mais tarde fundou a a16z ao lado de Marc Andreessen. Horowitz também enfrentou um colapso atrás do outro, antes de encontrar alguma luz no fim do túnel.
É comum imaginar que o sucesso é linear: basta fazer boas escolhas. Mas, entre o era uma vez e o felizes para sempre, sempre há um lobo mau, uma bruxa, uma madrasta, o Capitão Gancho, um dragão. No mundo real, as empresas não enfrentam estes vilões, mas sim lideranças tóxicas, traições internas, concorrência predatória e a inconstância do consumidor.
Jim Collins parte da análise dos vencedores. Seu modelo é retrospectivo — tenta explicar o sucesso depois que ele aconteceu. A Teoria da Ordem, que venho desenvolvendo, propõe um caminho diferente. No terceiro nível da teoria — entrar em ordem com o mercado — consideramos não apenas a ação interna da empresa, mas também a influência dos concorrentes e o comportamento dos consumidores.
Para uma crítica mais estruturada à visão “romântica” da administração, recomendo Derrubando Mitos, do professor Phil Rosenzweig, do IMD, na Suíça. O livro desmonta a ilusão de que boas decisões são suficientes para garantir o sucesso. Nem sempre são. Porque, no mundo real, o sucesso não depende apenas de você.

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