
Na minha trajetória profissional, troquei o mercado financeiro por um desejo pessoal de empreender. Li, certamente, os principais autores da Teoria da Administração. Hoje considero que são livros que beiram a ficção. Nenhum deles foi capaz de estabelecer os principais dilemas que acompanham os empreendedores ou gestores. Esses são fundamentais para a sobrevivência no mundo dos negócios. Minha experiência é que existem três grandes decisões a serem tomadas ao longo de uma vida empresarial: mudar de setor, mudar o modelo de negócio e definir preço.
Mudar de setor é uma decisão difícil. É um sofrimento especial para empresas familiares. Dói o mesmo para o dono de um restaurante e para um grande grupo. A Atari foi uma gigante no segmento de consoles para videogames. A Blockbuster estava em cada esquina alugando fitas ou DVDs. E você conhece a história de marcas como Kodak e Editora Abril. A mudança de setor pode ser determinada por uma mudança significativa de consumo ou por pressões que surjam relacionadas a fluxo de capital, legislação ou outras iniciativas não previsíveis.
Iniciei minha jornada com a aquisição de uma empresa de implementos agrícolas. Rebatizada de Montana, cresceu em ritmo muito superior ao do agronegócio, compreendendo que as vendas estavam atreladas a políticas comerciais adequadas e focadas no relacionamento. O setor, no entanto, oscilava muito e tinha uma dependência de investimentos governamentais, fazendo com que as decisões de compra estivessem, muitas vezes, submetidas à política de estado. Era um negócio de capital intensivo. A decisão foi mudar de negócio, vendendo a Montana por um valor cento e cinquenta vezes superior ao valor de compra. Mudar de setor é uma decisão que acontece poucas vezes e ter coragem para isso é fundamental.
Defendo que a administração de um negócio está mais para a arte do que para a ciência. Existe um campo subjetivo, um espaço para a percepção, que faz parte da atividade. Uma jornada focada em um objetivo não pode matar a possibilidade de olhar para o lado e perceber que pode haver conexões impensáveis para seu negócio. Dizemos que sempre o ideal é surfar em uma onda. Às vezes a onda está na praia ao lado. Leve sua prancha para lá.
Comprei a WAP na expectativa de atuar em um setor com relação direta com os consumidores, com canais de vendas variados. O crescimento seria de responsabilidade exclusiva da competência da gestão. Seria. Até que o país atravessou a maior seca urbana de sua história. O negócio de lavadoras despencou. Veio uma recuperação judicial. Eu poderia vender o negócio, como fiz com a Montana. No entanto, a WAP era uma marca conhecida e com percepção de qualidade. Na praia ao lado começava o boom dos marketplaces e das vendas no digital. O momento era de aprendizagem. Aprender é uma decisão. Decidimos voltar o negócio para o digital e mudar radicalmente a linha de produtos. Estava mais nivelada. Nesse novo modelo muitas empresas ainda estavam aprendendo. Estávamos em pé de igualdade, independentemente da recuperação judicial.
A WAP mudou seu modelo de negócios. Focou no entendimento da jornada do consumidor, compreendeu o relacionamento com os marketplaces e transferiu para os dados a decisão sobre produtos. Transformou-se em um negócio iluminado por eles (veja o livro, “A Empresa Iluminada”, autor Gilberto Zancopé). O resultado foi uma diversificação raríssima de encontrar no mercado global. Aspiradores de pó, airfryers, ferramentas, equipamentos de áudio e outros. Atualmente, a empresa que vendia para magazines tem praticamente 70% de seus negócios nas vendas online. O modelo de negócios mudou completamente. Assim como mudou o perfil de seus colaboradores, formado, atualmente, por jovens na faixa dos trinta anos. Resultado: a WAP, hoje, em 2025, vale duzentas vezes o valor de compra.
Essas grandes decisões estão presentes em momentos específicos da vida de um empreendedor. Em mais de trinta anos de minha vida como gestor tive que tomar decisões como essas raras vezes. Quatro ou cinco no máximo. Mas existe uma decisão que é constante, pouco discutida e muito menos glamurosa: definir preço.
A definição de preços é desenvolvida com um conjunto de variáveis numéricas, mas também por perguntas subjetivas. Aprendem-se nas universidades as fórmulas para fazer custos de produtos e serviços. Debate-se a formação de preço sempre a partir do olhar para os concorrentes e a capacidade de desembolso do consumidor. Enfim, entendemos nos bancos da teoria que o mercado define o preço. Se assim fosse, o papel do gestor nesse campo seria apenas monitorar os concorrentes e a renda e definir o preço. Tudo estaria resolvido. Isso seria uma tarefa infantil.
Essa afirmação contém uma dose extrema de conformismo: não há o que eu possa fazer em relação à força do mercado. É uma mentira. Sempre haverá alguém vendendo mais barato do que você. Preço também está na escala da percepção. Novamente, em minha experiência de vida, decidi aumentar o preço de produtos para garantir percepção de qualidade. E vendas. Ninguém acredita que um produto barato seja melhor. No mercado, os produtos líderes não são os mais baratos.
A definição de preços, incluindo aí a política de preços para os canais, é uma decisão cotidiana. O gestor deve dormir e acordar pensando nisso. Deve ouvir os clientes e visitar os pontos de venda. O conhecimento em administração é fundamental. Mas, exagerando, ir a um supermercado é mais importante do que visitar uma livraria. Pois, na condução de qualquer empresa, o preço é uma decisão individual do empreendedor. Uma faixa de preços no macro é uma realidade, mas colocar 5% a mais ou a menos pode significar o paraíso do lucro ou o inferno da falência. O preço é micro.