
A relação entre administração e números não é apenas prática, mas também filosófica. Pitágoras, o matemático e filósofo grego, acreditava que os números eram a essência da realidade. Ele via na matemática uma linguagem universal e imutável, capaz de revelar verdades absolutas. Essa visão se aplica perfeitamente ao mundo dos negócios: os números não mentem, mas podem ser distorcidos por aqueles que se recusam a encarar a realidade.
Assim como Pitágoras via nos números a estrutura do universo, um administrador deve enxergar na contabilidade a base para a gestão. Quando os números são respeitados, a empresa tem clareza sobre seus desafios e oportunidades. Quando são manipulados, a verdade é apenas adiada – até que se torne impossível ignorá-la. Dados financeiros refletem a realidade de uma empresa, orientam a tomada de decisão e garantem transparência para investidores, credores e sociedade. No entanto, quando a contabilidade é manipulada para mascarar a realidade, o resultado não é apenas um desvio ético, mas um colapso inevitável. A história corporativa está repleta de exemplos que evidenciam essa verdade, desde o caso Enron até o recente escândalo da Americanas.
Em 2001, a Enron, uma das maiores empresas de energia dos Estados Unidos, entrou em colapso devido a práticas contábeis fraudulentas. Seus executivos usaram mecanismos como sociedade de propósito específico (SPEs) para esconder dívidas e inflar lucros. Essas entidades eram criadas como empresas separadas, mas ainda sob controle da Enron, e registravam as dívidas da matriz como se fossem suas. Dessa forma, os passivos desapareciam dos balanços da Enron. Além disso, a Enron usou a contabilidade a valor de mercado (Mark-to-Market Accounting) de forma abusiva. Essa prática, em teoria legítima, permite que empresas registrem ativos pelo seu valor de mercado em vez do custo histórico. No entanto, a Enron exagerava ao contabilizar lucros futuros de contratos de longo prazo como se já tivessem sido realizados. Isso inflava os números no curto prazo, criando uma ilusão de crescimento. Quando a verdade veio à tona, milhares de investidores e funcionários foram prejudicados, e a confiança nos mercados financeiros foi abalada.
Um fator crítico no caso Enron foi o papel da auditoria externa, realizada pela Arthur Andersen, uma das maiores empresas de auditoria do mundo na época. Em vez de identificar e reportar as irregularidades, a Arthur Andersen foi conivente com as manipulações contábeis, chegando a destruir documentos que poderiam comprovar as fraudes. Isso resultou não apenas na falência da Enron, mas também no encerramento das operações da Arthur Andersen, que perdeu credibilidade e clientes, culminando em seu colapso.
O caso da Americanas, mais recente, segue um roteiro semelhante. A empresa divulgou inconsistências contábeis bilionárias, ocultando passivos e inflando resultados. Uma das principais artimanhas utilizadas foi o chamado “risco sacado”, uma modalidade de antecipação de pagamentos a fornecedores. No papel, essas operações eram registradas como dívidas dos fornecedores junto aos bancos, mascarando o real endividamento da companhia. Assim, a Americanas parecia ter um nível de alavancagem menor do que realmente possuía. Quando a fraude veio à tona, a credibilidade da empresa despencou, suas ações desvalorizaram drasticamente, e a companhia enfrentou um intenso escrutínio regulatório. A fonte de uma desordem nem sempre está na fraude, essa apenas tenta esconder o erro primário. Na empresa Americanas por exemplo, a fonte da desordem era comprar por “R$100 e vender por R$90”. O risco sacado era só onde se escondia o prejuízo da equipe comercial.
A contabilidade não é apenas uma ferramenta burocrática, mas um pilar fundamental da governança corporativa. Empreendedores e administradores responsáveis compreendem que os números revelam a realidade e que enfrentá-la é essencial para o sucesso a longo prazo da companhia. A história já mostrou que maquiar dados pode trazer ganhos temporários, mas sempre resulta em crises profundas, por isso nada de truques, nada de EBITDA ajustado sem base. O compromisso com a transparência contábil não é apenas uma obrigação legal, mas um princípio inegociável para qualquer empreendedor e gestor sério. Afinal, na administração – assim como na matemática pitagórica – a verdade sempre se impõe, mais cedo ou mais tarde.