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Caçador de Negócios | Entrevista Valor Econômico

As estratégias doinvestidorde risco que recupera empresas que são ‘elefantes doentes’ e caça startups ‘gazelas’

Esse é o perfil do investidor de risco Gilberto Zancopé, um orlandino de fala mansa e postura discreta que hoje gere um fundo com R$ 260 milhões investidos em 14 empresas, sendo dono de marcas tradicionais do mercado brasileiro.

Sinônimo de lavadora de alta pressão, a Wap está no portfólio dele desde 2006. O Kisuko, aquele suco em pó que tem uma simpática e sorridente jarrinha na embalagem, é outro produto conhecido dos brasileiros que está sob seu guarda-chuva depois que ele adquiriu a Enova Foods em 2020.

Tanto a Wap quanto a Enova eram exemplos de “elefantes doentes que precisam ir para a enfermaria”, segundo o próprio dono atual das companhias.

“Uma empresa fica doente e tem a saúde organizacional enfraquecida por várias razões: liderança tóxica, guerra de poder, enfraquecimento do produto, envelhecimento da gestão, entre outros. Quando isso acontece, nenhuma disciplina funciona mais direito — marketing, finanças, comercial. Tudo desanda. É aí que eu entro.”

Ele começa a contar sua história e metodologia de investidor de risco enquanto ignora o couvert do Senzala Restaurante, que traz um prato bem servido com tomate seco, mussarela de búfala, azeitona, cenoura, sardela e minipães.

“Primeiro, precisa sanar a empresa, colocar em ordem. E colocar a empresa em ordem é o esforço do ‘turnaround’ que eu e meu time aprendemos a fazer a partir de várias experiências.”

Zancopé diz que a seca de 2014 deixou a Wap à beira do abismo. “A principal lição aprendida foi: nunca mais depender de um
produto só” — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

“Quando eu comprei, o ‘turnaround’ foi fechar na indústria e deslocalizar para a China. Foi a decisão mais importante que eu fiz naquele momento, trazendo competitividade para o produto.”

Segundo Zancopé, a seca de 2014 deixou a Wap à beira do abismo. O então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, convocou a população a economizar água. As lavadoras de alta pressão passaram a ser vistas como vilãs, com leis que multavam quem as utilizasse para lavar calçadas ou carros. “As vendas caíram 70%. Machucou bastante a empresa”, conta.

Gilberto Zancopé acredita que os empresário têm que apoiar o governo, seja ele qual for — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

A crise forçou uma transformação estrutural. “A principal lição aprendida foi: nunca mais depender de um produto só”, ensina. “A partir daí, iniciamos uma extensão da linha de produtos da Wap. Hoje a lavadora representa em torno de 20% das nossas vendas.”

Mas a recuperação não foi imediata. Grandes redes varejistas se recusaram a recolocar as lavadoras em suas prateleiras. A primeira tentativa de reação foi vender porta a porta com vendedores autônomos. Então, dois jovens executivos, Paulo Sanford e Bruna Hadad, propuseram uma nova estratégia digital baseada em e-commerce e marketplace. Hoje, Sanford é CEO e Hadad é diretora financeira. “Eles conduziram a transformação digital da Wap.”

“Ser iluminada pelos dados do cliente não é aquela ideia do cliente em primeiro lugar. A gente realmente se deixa levar pelo fluxo do cliente.” É por isso que hoje, ao pesquisar produtos online, o consumidor encontra aspiradores de pó, fones de ouvido e até caixas de som da marca Wap. Sim, é a mesma da lavadora a jato.

E o que aconteceu com o dono da empresa? Caiu para cima. Hoje Zancopé exerce o cargo de presidente do conselho e está dedicado a transmitir a ideia de que a transformação digital da Wap geriu uma empresa do futuro sob um “inédito modelo”, segundo ele, baseado na relação hierárquica em que o consumidor dita todas as ações e estratégias da companhia. Na habitual linguagem de letras usada pelo marketing, trata-se de um modelo C2B. Daí vem o nome do livro. “A empresa iluminada” pelos consumidores a partir dos dados que deixam na internet. Na sua explicação, há exemplos aleatórios em que as empresas se permitem ser guiadas pelos consumidores. A Netflix, por exemplo, já criou séries como “House of Cards” e “Orange Is the New Black” com escolhas decisivas baseadas no que os dados indicavam sobre o que as pessoas queriam assistir. No primeiro, um tema já abordado pela série anterior da BBC com o mesmo nome e a indicação de que o diretor David Fincher e o ator Kevin Spacey – antes de os escândalos sexuais mancharem sua carreira – eram nomes desejados pelo público. Mas Zancopé argumenta que a Wap inova ao funcionar nesse modelo todos os dias, o que faz a empresa ter apenas três níveis hierárquicos para ser ágil. “Erros acontecem constantemente devido à juniorização das decisões, mas não é problema. A ideia é que sejam consertados com velocidade.” A dinâmica que ele diz ter sido implementada na empresa a tornou um celeiro para empresas que estão se digitalizando.

Zancopé, agora presidente do conselho, está dedicado a difundir o modelo da “empresa iluminada”, baseada numa hierarquia reduzida e numa lógica C2B (Consumer to Business), em que o consumidor dita ações e estratégias da companhia.

“Erros acontecem constantemente devido à juniorização das decisões, mas não é problema. A ideia é que sejam consertados com velocidade.”

Com isso, a Wap tornou-se referência para empresas em digitalização. “O drama é que os concorrentes vão buscar o nosso pessoal. Viramos um lago de pessoas digitalizadas com cultura orientada por dados. Tenho 50 pessoas no marketing e, no mês passado, o Boticário foi lá e levou sete oferecendo o triplo do salário.”

Atualmente, Zancopé busca jovens de 25 anos, com pouca experiência, mas alto domínio digital. “Melhor para se adequar à nossa cultura de decisões rápidas.”

Ele cita Philip Kotler e o conceito de marketing 5.0, que coloca tecnologia no centro das decisões. Mas acredita que a Wap está além. “A Wap, na linguagem do Kotler, seria uma empresa 6.0. A estratégia é não ter estratégia. Seguimos o fluxo do cliente.”

Após a explicação, o prato principal chega: filé-mignon grelhado com creme de milho verde. “Sempre peço esse. Adoro o milho verde porque me lembra a infância caipira. Sou de Orlândia”, diz com orgulho.

Morou em Orlândia até os 18 anos, jogando basquete ao lado de Guerrinha, ex-seleção brasileira. Ao mudar para São Paulo para estudar economia na USP, deixou o esporte e se envolveu com militância política nos anos finais da ditadura. “Era um movimento social enorme. Pela juventude, a gente está um pedaço mais radical.”

Durante a faculdade, trabalhou como analista financeiro no Unibanco. Com as economias, comprou, aos 32 anos, a Montana, empresa de máquinas agrícolas. Em 20 anos, fez a empresa crescer de US$ 1 milhão para US$ 120 milhões em faturamento anual.

Vendeu a Montana em 2014 e, com cláusula de não competição no setor agro, criou o fundo Order VC em 2018, focado em bens de consumo. Assim surgiu a oportunidade de comprar a Enova Foods durante a pandemia. “Era um elefante doente que levamos pra enfermaria e que está saindo da UTI só agora.”

“Na Enova, já tinham cortado a gordura, músculo, nervo. Não se tratava de cortar mais, mas de preencher. Era questão de posicionamento e política comercial.”

Hoje, a gestão de Zancopé está reposicionando as marcas da Enova. Além do Kisuco, a companhia conta com a &Joy, líder em barras de castanhas no mercado saudável e fitness.

Sobre o sangue-frio para investir em empresas em crise, Zancopé diz que aprendeu com a família a ter resiliência e mansidão. Casado há 38 anos, pai de duas filhas e prestes a ser avô pela quarta vez, afirma que aprendeu a esperar o tempo das coisas.

“Tenho duas filhas adultas. Uma é bolsonarista roxa, a outra é petista. O desafio é administrar jantares de família sem deixar brigar. A estratégia é, até o fim do ano, fazer só almoços mais curtos”, brinca.

Zancopé acredita que o empresário deve apoiar o governo, seja qual for. “Quando eu estava na empresa de máquinas agrícolas, apoiei a Dilma pela desoneração. Estava certa. Não faz sentido cobrar imposto sobre investimento. Ela teve a firmeza de dar esse passo.”

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